OS PSICOPATAS VIVEM ENTRE NÓS

10-09-2023

Todos os dias nos cruzamos com eles e até convivemos com alguns. Mas é difícil identificá-los porque, na sua aparência e no comportamento que exibem, não há nada que nos ajude nessa tarefa. Eles não possuem nenhum sinal particular, nenhum indício de anormalidade, nada que nos faça suspeitar que, por detrás de uma aparência de normalidade, se esconde um indivíduo muito perturbado e malévolo.
Quando alguém usa o termo "psicopata", fá-lo geralmente para se referir a um indivíduo com mau caráter ou a um criminoso, não um criminoso comum, mas um daqueles como os que se veem nos filmes, como os serial killers.
Acontece, porém, que esta ideia carece de rigor porque os psicopatas, na sua maioria, não são criminosos, no sentido de assassinos. Por outro lado, muitos criminosos não são verdadeiros psicopatas - são apenas criminosos.
Então, o que é um psicopata?
O que primeiro salta à vista é a normalidade da sua aparência. Mas não é apenas a aparência geral. Também o discurso e o comportamento parecem perfeitamente normais à primeira vista. Ou então - e aqui emerge uma pista que nos pode ajudar - parecem ser melhores e mais sofisticados do que o normal.
Na verdade, eles podem provocar fascínio pela forma agradável como falam, pelas histórias extraordinárias que contam, pela atitude sedutora como abordam os outros.
Em alguns casos, porém, há qualquer coisa que soa a falso, como se estivessem a desempenhar um papel ou como se estivessem artificialmente preocupados apenas em agradar. Às vezes dão a ideia de serem muito cultos, sabendo falar de tudo, desde política até ciência, passando pelos assuntos mais corriqueiros do dia a dia.
Mentir, enganar e manipular parecem ser talentos naturais dos psicopatas, tal é a facilidade e a forma automática com que o fazem. Também é curioso o facto de que não parecem preocupar-se se forem apanhados a mentir ou a enganar. Simplesmente mudam as versões ou inventam novas mentiras que contradizem as anteriores.
Robert Hare, um psicólogo canadiano com vasta experiência nestes casos, dá o exemplo de uma mulher que deu o seguinte testemunho, a propósito de ser mentirosa:
"Eu sou a melhor. Sou mesmo boa nisso. Acho que é porque, às vezes, admito alguma coisa negativa a meu respeito. Aí eles pensam: bem, se ela admite isso, então quer dizer que está a dizer a verdade sobre o resto. Outras vezes a estratégia é colocar um pouco de verdade no meio das mentiras: Quando eles acham que alguma parte do que você diz é verdade, então costumam pensar que é tudo verdade."
Mas há casos em que o psicopata, de tão habituado que está a mentir, parece chegar a acreditar que o que diz é verdade.
Num outro caso, a propósito de enganar os outros, uma mulher disse:
"O dinheiro cresce nas árvores. Eles dizem que não, mas a verdade é que cresce. Eu não quero fazer isso com as pessoas, mas é tão fácil!"
Em todos os casos, o predador escolhe a vítima a dedo, estuda-a ao pormenor, deteta-lhe os pontos fracos, e só depois avança. À primeira vista, esses pontos fracos nem sempre o são. Muitas vezes são qualidades nobres (a necessidade de cuidar, de proteger, de ajudar), evidenciadas na altura certa (quando a pessoa está mais vulnerável e aflita). E é nessa altura que o psicopata ataca.
Seja pela sedução ou pela força, a captura da presa não é o objetivo final. É apenas o meio para conseguir os seus objetivos: roubar, conquistar, adquirir poder, subjugar. A presa é um mero peão que é usado e manipulado sem qualquer consideração, empatia ou respeito pela pessoa. É um objeto que o psicopata usa e deita fora.
A ausência de sentimentos não é referente exclusivamente à vítima - faz parte da sua essência e manifesta-se com toda a gente. O psicopata não gosta de ninguém. Não sabe sequer o que isso é.
As suas emoções são planas e secas, sem profundidade nem vida. Por isso é que por vezes sente aborrecimento e tédio, um tédio de morte que o leva a precisar desesperadamente de fazer qualquer coisa que lhe desperte emoções fortes.
Os psicopatas têm necessidade contínua e excessiva de excitação, de viver no limite, onde está a ação, fintando as regras e a lei, se necessário for. É por causa disto que mudam de casa, de emprego e de relações com muita frequência.
Não sente empatia. O que sentem em relação às pessoas mais frágeis não é empatia. Ao invés, vêem-nas como alguém que pede para ser explorado. Muitos estão convencidos de que o mundo é feito de predadores e presas, e que seria uma estupidez não explorar a fraqueza dos outros.
Mesmo em relação aos familiares, os laços que mantêm são os mesmos que criaram com o próprio carro ou o telemóvel: um bem que lhes pertence, sem consideração pelos seus sentimentos, identidade e vontade própria.
Não sente remorsos, nem piedade, nem compaixão. Não sente culpa. Embora não sintam remorsos ou culpa, por vezes verbalizam que os sentem, mas nesses casos as palavras que usam são ocas, artificiais e sem significado nem correspondência com a verdade.
Os psicopatas são máquinas frias, calculistas, programadas para sobreviver e atacar. E como conhecem as regras do jogo da sociedade, vivem segundo a lei da selva: disfarçam-se de cidadãos exemplares, amantes irresistíveis, profissionais briosos, adotam discursos e gestos adequados às ocasiões. Mas as leis são as deles. Não se conformam nem respeitam as regras sociais, a menos que isso os prejudicasse. São especialistas da fraude e da trapaça e mestres na arte de não serem apanhados. Cometem crimes à margem da lei e por isso não há leis que os condenem, nem que para isso tenham de conhecer a Constituição da República (é o que alguns chegam a fazer).
Alguns são muito inteligentes, mas outros não. Estes últimos acabam por ser apanhados. Muitas vezes, é o próprio Ego que os trai - a necessidade de protagonismo e de reconhecimento é tão grande que acabam por expor-se e cair na armadilha da justiça.
Muitos são vaidosos, arrogantes, exigindo ser o centro das atenções, tentando sempre relegar os outros para a sombra para poderem ser os únicos a brilhar. Isto pode acontecer entre conhecidos, colegas, amigos, ou – o mais grave – com os próprios familiares, humilhando-os publicamente se necessário for. Têm um funcionamento narcísico maligno, que também se pode manifestar em casos de justiça, naqueles indivíduos que prescindem de advogado e assumem a própria defesa - geralmente com resultados desastrosos.
Raramente ficam constrangidos com problemas jurídicos, financeiros ou pessoais. Pelo contrário, consideram esses problemas como derrotas temporárias, resultado de má sorte, de amigos traidores ou de um sistema injusto e incompetente.
Estes indivíduos movem-se livremente numa espécie de terra de ninguém: não são apanhados pelo sistema judicial (porque, em muitas situações, não cometeram crimes punidos pela lei) e não cabem nos sistemas oficiais de classificação das doenças.

Perante tudo isto, podemos levantar a questão: podem eles deixar de ser o que são? Ou melhorar, pelo menos?
Estou convencido que não. Vejamos.
Para uma pessoa se tratar, há pelo menos quatro condições sem as quais esse objetivo é inalcançável: ela tem de reconhecer que tem um problema, tem de querer resolvê-lo, tem de estar empenhada em melhorar e tem de colaborar no tratamento.
A única que o psicopata pode cumprir é a última (colaborar no tratamento), mas quando o faz, é sem motivação, nem convicção, nem honestidade. Pode submeter-se a um tratamento porque a mulher o obriga, porque o patrão (que é muito humano) lhe dá mais uma oportunidade e pode até pagar o dito tratamento, ou porque isso lhe traz algum dividendo. Seja qual for a razão, nenhuma é consistente porque nenhuma se sustenta na verdade.
Quando é o próprio comportamento a trazer-lhe algum tipo de vantagem, porque iria querer mudá-lo? É uma questão de mera lógica.
Além disso, são incapazes de desenvolver a intimidade emocional e a honestidade necessárias para fazer um trabalho, em conjunto com o terapeuta, de descoberta de si próprio.
Há um outro ingrediente que é fundamental para o bom sucesso de uma psicoterapia: a empatia do terapeuta.
É muito difícil empatizar com indivíduos destes. Mas mesmo quando o terapeuta esboça algum movimento nesse sentido, a sua empatia é sentida como perigosa para o psicopata. Fá-lo-ia sentir-se vulnerável e indefeso, e um estado desses pode imediatamente fazê-lo afastar-se ou passar ao ataque.
À exceção dos que cometem crimes puníveis e são por isso detidos, uma grande parte dos psicopatas anda por aí à solta. Assim, o que é que cada um de nós pode fazer?
A melhor estratégia, para começar, é evitar qualquer envolvimento com um deles. A ideia tem lógica, mas, convenhamos, é muito difícil de pôr em prática. Muitas vezes, a única coisa que é possível é minimizar os danos.
Um fator que pode ajudar é conhecermo-nos bem, sobretudo as nossas fragilidades.
Os psicopatas são mestres a detetar os pontos fracos dos outros e, depois, a explorá-los de forma cruel.
Temos de desconfiar. Quando a esmola é muita, costuma dizer-se, o pobre desconfia. O problema é que muitas vezes não desconfia, sobretudo quando, em vez da pobreza, o que está em causa é a carência afetiva.